domingo, 26 de fevereiro de 2012

Gaúcho

Da última vez que o vi seu olhar não tinha mais o mesmo brilho. Os anos estavam pesando. Falou na doença da mulher,
na separação do filho e rapidamente levou nossa atenção para os causos passados. Como velho e bom comunista, tinha muito a
contar. Certo que a cidade crescera e chegara até ele, mas as mãos grossas e calejadas não deixavam dúvida. Homem do campo, sobrolhos negros, desalinhados, largos como o sorriso. Sempre de bombacha, sempre com o facão. Sua conversa era de longe mais interessante que as conversas de dores, no corpo e na alma. Suas ideias fluiam ligeiras e de um modo engraçado. Mesmo as mais radicais e, que hoje não atraem mais ninguém, soavam como uma aula de história. História de vida, vida intensa. Homem simples, o fogão a lenha esquentando a casinha. E a água para o mate.
Os cuscos ao seu redor nos acompanharam até o portão. Nunca mais.
Decidiu um certo sábado que não havia mais sentido. Perder o poder de decidir é perder a dignidade. Os cuscos ao seu redor.
Decidiu não mais viver.

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