domingo, 24 de janeiro de 2010

Considerações sobre a Ortognática - Parte I


Meu pai costumava recitar uma série de ditados antigos quando o assunto era a insatisfação pessoal, em especial com a aparência....."bonito para o sapo é a sapa"......."quem ama o feio bonito lhe parece"...."....a beleza está nos olhos de quem vê..." e outros mais. Insatisfação comum na adolescência. Quando tomamos consciência do nosso lugar no mundo. O nosso corpo, e especialmente o rosto são, ambos, objetos de julgamento pela grande maioria das pessoas. E isso é reflexo do que é aprendido na infância.

Meus pais não tinham o hábito de sentar na frente da televisão e ficar julgando "fulano" porque era gordo ou magro demais, "ciclano" porque tinha nariz grande, cara torta, tez preta, branca, amarela, ou outro adjetivo qualquer. Nem sequer as pessoas que faziam parte do nosso círculo de convivas eram julgadas pela aparência. Daí deve vir a minha dificuldade de julgar. A grande insatisfação chega quando outros obrigam você a enxergar seus "defeitos". Defeitos aqui entendidos como qualquer característica que faz com que você fuja a média ou ao que é considerado "bonito", "correto", "bom" pela sociedade.

A Roseli e a Margarida foram as minhas primeiras amiguinhas de recreio no Instituto Auxiliadora. A primeira, filha de funcionária, em um colégio de freiras, particular e caro. A Margarida andava com dificuldades, com o auxílio de aparelhos nas duas pernas, e tinha algum problema - "de nascença" costumava dizer minha mãe, que deixou seu rosto com uma forma de pêra. Seu desempenho era fraco e muito provavelmente tinha algum retardo mesmo. Na época eu me recordo que me incomodava ver aquelas crianças saindo em disparada escada abaixo e ela lá, descendo degrau por degrau, vencendo suas dificuldades. Uma vez a freira pediu para que eu a acompanhasse. Foi o meu segundo exercício de paciência. Do primeiro falo em outra oportunidade. Acho que ela sabia que eu iria levar isso para a vida toda. E que precisaria muito dela. A paciência! Quando Margarida faltava, o que era comum, eu corria como todas e ia para o tanque de areia. Era o brinquedo do qual eu mais gostava.

Minha mãe sempre tratou de fazer com que déssemos valor para as coisas que tínhamos, mas não nos enchia de coisas em excesso. A minha lancheira era igual a da Roseli. De plástico... com aquele botãozinho duro....difícil de abrir para duas mãozinhas tão pequenas. Diferente da lancheira de todas as outras meninas. Não que ela não pudesse comprar ...e um dia, de tanto que a atormentamos comprou a mais cara. Era linda, cor de rosa, tinha o desenho de uma menina com uma roupa de astronauta e escrito "A Selenita" e até garrafinha térmica. Adorava a minha lancheira, mas nunca a usei na Escola. Tinha vergonha.

Meu pai me explicou o que era selenita!! Habitante da lua! Meus pais morreram. Foram felizes e bem sucedidos. Ele bem mais otimista do que ela. Ambos muito positivos, em relação à vida e ao ser humano. E, independentemente de qualquer dificuldade, eles sempre nos deram muito carinho, muito afeto. Isso fez toda a diferença em nossas vidas e no modo como nos relacionamos com todos os seres vivos!! Paciência e amor.

A ortognática entrou na minha vida tarde. Depois de anos de aparelho não usado. E de um amigo e sócio do meu pai, cuja irmã tinha operado, que disse: é cirúrgico. Ele não era ortodontista (sic!). Nessa época eu já tinha uns 19/20 anos. Mas a vida foi tomando seu próprio curso e "consertar" o que para a grande maioria é estético, mas quem tem o defeito sabe que é funcional antes de qualquer coisa, foi ficando cada vez mais longe. 26 anos depois eu operei. Depois de 3 anos de aparelho e de uma legião de pessoas que diziam que era bobagem e de outras "trocentas" que faziam troça, pelas costas ou na cara mesmo. Minha oclusão ainda não está perfeita, mas minha respiração melhorou. Quase 6 meses depois não posso dizer que estou 100%. Ainda tem muito que mudar. Mais um ano de aparelho e torcer para que no fim de tudo, funcionalmente fique perfeito! Já que esteticamente, é uma questão de gosto mesmo. Se você não faz parte da maioria, vai agradar a quem tiver que agradar. No "The End" de cada filme que compõe a vida da gente, o que importa mesmo é o respeito às diferenças e a liberdade de escolha que cada um tem para fazer o que achar melhor para ser feliz! Sem ferir o outro! Amando o outro!