segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O Velho Bolchevique - de Moacir Xavier

Nao bastassem aquelas rugas sulcando caminhos no rosto enérgico e a barba em desalinho de um ruivo esbranquiçado, no tronco do pescoço, quase, quem não o conhecesse, se surpreenderia.

Mas as mãos camponesas o trairiam, enormes, endurecidas pelo cabo da enxada e pelas vezes sem conta em que empunhara com vigor juvenil a mariposa tracionada pela junta de bois a escavar açudes em terras dos terratenientes.

Eu vim a conhece-lo muito tempo depois, travestido já ele em citadino, impelindo com idêntico vigor um carrinho de transporte nos armazéns de carga da ferrovia.

Seu ódio ao latifúndio se convertera em ódio a burguesia. O pregador da Revolução Social que redimiria os humildes e humilhados não sofrera abalo, todavia.

Recordo ainda hoje a gravidade do seu semblante de revolucionário e o sorriso para lá de infantil quando se punha a relatar um dito espirituoso.

Sem dúvida, foi o ultimo a acreditar piamente que as legiões de Lenin íntegras ainda, assomariam as ruas e tomariam o poder em prol dos deserdados da terra.

Jamais esquecerei quando, assobiando, me ensinava a cantar os acordes da Internacional.

Até que um tiro num começo de tarde interrompeu uma vida de quem, por bem ou por mal, nunca tivera por habito se domesticar.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Gaúcho

Da última vez que o vi seu olhar não tinha mais o mesmo brilho. Os anos estavam pesando. Falou na doença da mulher,
na separação do filho e rapidamente levou nossa atenção para os causos passados. Como velho e bom comunista, tinha muito a
contar. Certo que a cidade crescera e chegara até ele, mas as mãos grossas e calejadas não deixavam dúvida. Homem do campo, sobrolhos negros, desalinhados, largos como o sorriso. Sempre de bombacha, sempre com o facão. Sua conversa era de longe mais interessante que as conversas de dores, no corpo e na alma. Suas ideias fluiam ligeiras e de um modo engraçado. Mesmo as mais radicais e, que hoje não atraem mais ninguém, soavam como uma aula de história. História de vida, vida intensa. Homem simples, o fogão a lenha esquentando a casinha. E a água para o mate.
Os cuscos ao seu redor nos acompanharam até o portão. Nunca mais.
Decidiu um certo sábado que não havia mais sentido. Perder o poder de decidir é perder a dignidade. Os cuscos ao seu redor.
Decidiu não mais viver.